terça-feira, 20 de abril de 2010

De: Admiradora secreta

Moço,

Eu não sei o porquê estou lhe escrevendo esta carta. Jamais podia imaginar que tamanha coragem existisse em mim. Mas aqui estou colocando em palavras o que não consigo dizer. Na verdade, não teria nem como dizer. Nós nem nos falamos. Minto. Já lhe dei bom dia, quando minha tia forçou-me a atendê-lo. Eu trabalho na padaria da Vila Laurita. O senhor vem aqui todo domingo comprar pão. Pelo pouco que compra, deve morar só. Pelo pouco que vem, deve comer fora durante a semana. Mas não estou escrevendo pra comprovar-lhe que é meu cliente. Quero mesmo é dizer o quanto és belo. Tu me despertas um sentimento que eu nunca havia de ter sentido por homem nenhum! Eu fico de cá, só observando. E tenho que lhe confessar, tenho um bocado de convicção que tu és minha alma gêmea. Não penses que é só porque amo-te desse jeito. Percebo teus gestos, teu jeito. Daríamos um belo par. Eu teria tirado a sorte grande nessa vida se tu me olhasses como lhe olho. Não peço que a partir do instante em que receber esta carta passe a falar comigo, ficarei sem graça se o fizer. Esta carta tem a mais pura intenção, somente, de declarar meu enorme afeto por ti. Já o vi de conversinha com a dona da Floricultura, creio mesmo que é tua namorada. Mas não me importo. Eu o vi primeiro! Tenho o justo direito de lhe dizer o que eu bem quiser. E é isto que estou fazendo. Moço, tu me faz querer viver. Sim, viver! Eu vivo na esperança que esse amor seja correspondido, um dia, quem sabe. Ainda que não tenhas me dado nem se quer um sinal, eu tenho fé que o melhor há de acontecer.

Outro dia contei sobre esse nosso caso pra Anita. Anita é minha melhor amiga desde que me conheço por gente. É enteada da minha tia, trabalha conosco na padaria. É mais velha que eu, tem experiência. Imaginei que seria a pessoa ideal para me dar um conselho de como realizar esse meu sonho contigo. Pois ela me disse que isso se chama Amor platônico. Não entendi muito bem a explicação, mas sei que tem alguma coisa haver com não correspondido. Mas que diabo é platônico? Eu sei lá. Nem quero saber. Prefiro ficar só com o amor. Ou melhor, dar-lhe por inteiro.

Sabe moço, é que às vezes me bate um desânimo, daqueles de desistir desse mundo. Tenho muito medo de estar só imaginando coisas. Fantasiando que tu possas sentir o mesmo que eu...

Muita coisa eu tenho para lhe dizer, meu bem. Mas não quero prolongar minha escrita. O que tu tens que saber eu já lhe disse. Então eu ficarei aqui no mesmo lugar de sempre. Já sabes onde me encontrar, se quiseres saber mais sobre quem sou. Ou se tu já souber e quiseres declarar-te também. Estou aqui.

Mas e se me disser que Anita tens razão?

Chega de amor platônico. Chega de amor.


(Escrito a ti por: Flora Lis)

Mero desejo

Eu não quero ninguém. Eu quero um amor, um dia. Não precisa ser agora, não faço questão. Mas meu coração está aberto e a espera de outro alguém.
Alguém que me mereça. Que saiba me fazer sorrir. Alguém que me transforme no melhor que posso ser. Que me esclareça a vida. Não exijo que goste das mesmas coisas que eu, nem eu sei direito o que gosto. Gosto de tudo. Gostarei dele também, do jeito que for. Quero alguém que me desperte aquele sentimento lindo que abriga meu peito, mas que está guardado.

Escrito a ti por: Flora

domingo, 18 de abril de 2010

Oliveira

No início era tão pequeno... Apenas uma minúscula sementinha. Diferente de todas as outras pré-oliveiras que já pude conhecer. Apareceu do nada, por acaso, como caída do céu. Nem acreditei quando caiu na minha mão e coube tão perfeitamente. E eu olhava aquela semente, tão pequena e tão linda. Era como se ela falasse. Eu a ouvia pedindo para que eu a plantasse em meu jardim.
Há muito tempo eu esperava por uma semente como aquela, que quisesse o mesmo que eu: um elo com seu jardineiro. Guardei-a. Todo santo dia, ao levantar, eu olhava minha semente na cabeceira. Ela me seduzia... Eu podia sentir seu sorriso ao ver meu rosto amassado de sono. Sabia que eu havia sonhado com ela. Estava sendo assim todas as noites, desde que eu a ganhei do céu.

Um belo dia resolvi levar a pré-oliveira ao meu jardim. Eu queria ver seu brilho diante do sol. Ofuscante!
Fiquei perplexa ao perceber que, por uma breve distração, a sementinha escapoliu da minha mão e caiu na tão fértil terra que eu tinha em meu quintal.
Não havia mais como impedir, como negar, nem como evitar. Daquele momento em diante, eu teria no meu jardim uma crescente Oliveira. Assim foi.

Eu fui abençoada por Deus?! Que árvore linda cresceu em meu jardim!
Não havia de ser o contrário, por tanto que me dediquei àquela muda. Eu a reguei com todo meu amor. Quantos frutos eu colhi... Minha velha sementinha caída do céu se transfora numa dádiva, eu já disconfiava que seria assim. E eu agradecia todas as noites, antes de dormir, por ter sido privilegiada, tendo em minha vida essa graça.

Como nada é perfeito, houve tempo de pragas. De vez em quando, uns vizinhos me inventavam de botar olhado em minha linda. Lá vou eu tratá-la. Em outros tempos, também apareceu aqui uns bichos estranhos, achando que podiam derrubar um tamanho de árvore daquele.
Passadas muitas fases, boas e ruins, de deslumbre e de dor, minha Oliveirinha, ou Oliveirona, não podia mais sobreviver em meu jardim. Meu amor e dedicação não podiam suprir totalmente todas as necessidades que essa planta tinha para manter-se minha. A Oliveira ainda me dava bons frutos. Suas azeitonas sempre foram as mais desejadas de toda região. Mas delas eu extraía líquidos também. Um era o azeite. Tão útil me foi... Quantos pratos saborosos eu não teria preparado sem sua ajuda! O outro líquido chamamos de lágrima. Sim, a Oliveira também me fez chorar. E como fez!
Não há de ser posto em palavras seus motivos. No entanto, o que há de se falar é o quão minha terra estava sem vida. Toda sua fertilidade foi sugada pela minha ex-pré-oliveirinha, que tanto me fez bem um dia.

O curioso fim da minha breve e intensa relação com aquela planta que havia caído do céu, foi simplismente o fogo.
O elo não transmitia mais sintonia, e sim faíscas, que cada vez mais foram se atiçando, provocando um terrível incêndio no meu antigo quintal. Meu coração doeu tanto ao ver aquela cena! Mas essa dor se tornou auto-suficiente. Dor para dor. Minha dor passou.

Ainda me lembro muito bem de cada momento que tive com minha planta. Sempre lembrarei dela como uma rara semente que brotou em minha terra, mas que foi levada pelas pragas que ela mesma atraíra, assim como havia me seduzido um dia. Mas foi a única Oliveira que tive em meu jardim, ainda tem meu carinho guardado aqui no peito. Que por em ambos, que são um só, está quase curado por completo. Sua terra recuperou a fertilidade. Hoje, nela crescem lindas flores. Sua grama é tão verde que traduz o mais belo significado da natureza. Não há Oliveiras, nem Pinheiros. Não há nenhum sobrenome, nem se quer rastro de que houve um incêndio.
Há aquele espacinho ali, reservado, para tão logo brotar uma sementinha graciosa, enviada pela vida, não mais pelo nada.


Escrito a ti por: Flora Lis